domingo, 8 de novembro de 2009

ROMA CIDADE ABERTA de Roberto Rosselini


Em quase todos os manuais de cinema, aponta-se “Roma Cidade Aberta” como o filme pioneiro do neo-realismo. Realizado por Roberto Rosselini em 1945, nos escombros da devastação da Segunda Guerra Mundial, “Roma Cidade Aberta” é um filme tão desconcertadamente imperfeito como a vida. Talvez por isso, a sua marca é tão forte na memória de quem tem, ainda hoje, o prazer de o ver e rever.

Bergman disse um dia que nos filmes de Rosselini “ninguém parecia um actor e ninguém falava como um actor. Havia escuridão e sombras, e às vezes não se ouvia, às vezes nem sequer se via. Mas a vida é assim… nem sempre vemos e ouvimos, mas sabemos, quase para além do que é inteligível, que qualquer coisa está a acontecer. É como se tivessem tirado as paredes das casas e das salas, e pudéssemos ver dentro delas. Mais ainda. É como se estivéssemos ali, envolvidos nos acontecimentos, a chorar e a sangrar por eles.” Em “Roma Cidade Aberta”, verifica-se tudo isto, como se o cinema descesse à rua e num registo tão naturalmente documental aquelas personagens de ficção se tornassem tão profundamente reais como qualquer um de nós, naquelas circunstâncias. O truque estaria, citando o próprio realizador, em “seguir um punhado de ideias básicas e construí-las durante o processo de trabalho, de modo a que as cenas surjam da inspiração directa da realidade”.

Essa inspiração directa da realidade, compreende-se em “Roma Cidade Aberta” como um exercício de busca pela verdade, pelos factos e somente os factos, e pelo drama das suas personagens perante essa realidade dos factos que se assumem na mais estrita verdade. Não há espaço para heróis, apesar da força de duas personagens centrais neste filme: o padre Don Pietro (Aldo Fabrizi) e Pina (Anna Magnani). Ambos, protagonizam essa exacerbação da verdade pela carga simbólica que cada uma dessas personagens acarreta. Ele, um símbolo da coragem e da perseverança na luta contra os ocupantes nazis; ela, a personificação do próprio povo de Roma, subjugado e sofrido pelos efeitos da repressão e da guerra. O sacrifício de ambos, em duas das sequências mais extraordinárias da história do cinema, vinca o poder da imagem em movimento na representação mais absoluta da realidade.
ROMA CITTÀ APERTA, Roberto Rosselini; Itália, 1945
NOTA: Parte deste pequeno texto data de 1992, tendo sido retiradas considerações mais genéricas sobre o neo-realismo (que, a meu ver, são infantilmente politizadas) e introduzidos elementos directamente relacionado com o filme e o realizador, como a citação de Bergman, encontrada no livro de Eduardo Geada, “Os Mundos do Cinema”. No texto original, a última frase do segundo parágrafo - se incluirmos o lead - referia o "método" de Rosselini, o que considero um pouco ambíguo, não porque se negue a existência de " método" mas porque a palavra implica uma cientificidade e disciplina que não se coadunam com o filme e com parte da obra do realizador italiano; por isso mesmo, substitui "método" por "truque", até porque o cinema, mesmo o mais verdadeiro, vive sempre do truque, como a magia e o ilusionismo.